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Carta de Graciliano Ramos a Benjamín de Garay

Atualizado: 7 de jul. de 2020

Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1937.

Prezado Garay: Faz uma eternidade que não lhe escrevo. Aborrecimentos, meu caro, inquietações, uma vida encrencadíssima, o diabo. Você vai desculpar-me, como de outras vezes, esta grosseria involuntária.

Recebi ontem uma carta de La Prensa, um cheque e a tradução de O Relógio do Hospital, coisas que me chegaram quando eu mais precisava delas. Ótimo o seu trabalho, até senti inveja. Com roupa argentina, bem cortada e bem cosida, espichado numa página de jornal estrangeiro e importante, vi-me diferente de mim mesmo, não me reconheci. Você é um bicho, Garay, e eu lhe estou muito obrigado, tanto pela tradução como pela nota com que me apresentou ao público da sua terra.

Fiz como lhe prometi, umas histórias do Nordeste, com bichos e matutos: tentei mostrar o que se passa no interior desses animais. Caso você ache conveniente, mandar-lhe-ei alguns, que, se não estiverem muito ruins, podemos introduzir no mercado, pouco a pouco, a fim de não espantarmos o consumidor. A propósito: julgo que você não gostou da minha Baleia. É pena, pois não tenho nada melhor que essa cachorra. Quer ver os parentes dela? Se não quer, está acabado, não falemos mais nisso.

[...]

Tenho andado com um peso na consciência: disse-lhe que não tinha podido entender-me com Lins do Rego a respeito da tradução de Pureza, e você julgou que ele havia recalcitrado, o que não se deu. Vejo que não me expressei direito. Lins do Rego é um sujeito ótimo.

[...]

Como vai S. Bernardo (ou Feudo Bárbaro)? Insisto no oferecimento que lhe fiz. Há ali umas expressões regionais que talvez não sejam entendidas, mesmo por uma pessoa que saiba o português como você. Não me refiro, é claro, aos tradutores que supõem que jaca é arbusto. Coitado do Jorge. No Angústia não há dificuldades, mas o livro saiu cheio de pastéis horríveis, porque, na situação em que me achava, nem pude consertar a cópia da datilografia. Erros dela, erros na composição tipográfica - uma lástima. Vendeu-se a edição, mas é quase certo não podermos agora arranjar outra. Assim, caso você queria apresentar o romance à gente que fala o espanhol, mandar-lhe-ei um volume com emendas indispensáveis.

Bem, Garay, adeus. Novos agradecimentos e um abraço do G. Ramos


In: MAIA, Pedro Moacir; PERES, Fernando de Rocha (org.). Cartas inéditas de Graciliano Ramos a seus tradutores argentinos Benjamín de Garay e Raúl Navarro. Salvador: EDUFBA, 2008. Páginas 59 a 62


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